Dona de uma identidade única em estética relacionada à pesquisa de movimentos folclóricos negros no Maranhão, a fotógrafa e artista visual Silvana, encontrou nos lambes a transitoriedade de sua arte.
Ela contou para o Lambes Brasil, um pouco do seu processo criativo e da sua relação com a fotografia e colagem. Além disso, Silvana dá a letra: não é fácil ser mulher e ter que se afirmar como artista de rua. Confira:
Quando você começou a fotografar e por que se identificou com este tipo de linguagem?
Não lembro o momento exato, mas desde adolescente eu já andava com a câmera analógica de uma tia.Também gostava muito de ver os álbuns de foto da família, tentando decifrar os momentos que eram registrados pela foto. Mas com 18 anos mais ou menos, quando ganhei um celular, comecei a me interessar mais por fotografar.
Me identifiquei porque já desde nova não me identificava com nada que não fosse relacionado com arte. Tanto pela forma de me expressar, como também pela possibilidade de entendimento do mundo por essa perspectiva — principalmente depois que percebi que a fotografia fazia parte de mim e do que eu queria ser como profissional.
E o uso dos lambes, foi uma opção ao desejo de expor? Qual é sua relação com a rua?
O lambe surgiu de forma bem espontânea, através de amigos artistas que já trabalhavam com essa linguagem e também pela ‘’facilidade’’ de produzir algo sem muito custo, financeiramente falando, as linguagens convencionais já não me supriam a necessidade de mostrar meu trabalho e como lambe tem essa possibilidade de transitoriedade, fui cada vez mais me interessando e estudando sobre. Hoje, tem sido o meu maior suporte artístico.
A relação com a rua tem sido de descoberta e possibilidade de trocas e aprendizado, geralmente é bem ritualístico colar meus lambes pelas ruas de cidades que passo. O ato de procurar um espaço que converse com o trabalho, saber se posso ou não colar naquele espaço, burlar o sistema de limpeza visual da cidade, trocar ideia com as pessoas que se interessam pelo trabalho no momento que estou colando e o fato de saber lidar com o desapego e a efemeridade ou não do lambe — que pode ficar anos intacto onde colamos ou simplesmente em questão de minutos ser arrancado — com isso aprender que nosso trabalho é na rua e da rua, não nosso.
Você sofre preconceitos no meio da arte de rua por ser Mulher?
Como sendo um espaço praticamente dominado só por homens, me auto afirmar ou não ser silenciada é bem recorrente. Sinto que às vezes por ser mulher, meu trabalho não é levado em consideração enquanto só pelo fato de ser homem e trabalhar com arte de rua, tem o seu trabalhado evidenciado.
Sua principal fonte de estudo e de documentação tem sido movimentos folclóricos, principalmente ligados à cultura negra. O que te chama atenção neste segmento?
Faz parte de um processo de trabalho investigativo e desconstrutivo que há anos eu vinha recebendo como fonte de estudo e pesquisa. Começou quando trabalhei por dois anos em um museu de cultura popular da minha cidade e emergi nesse segmento por ‘’obrigação’’ profissional. Logo depois virou interesse e objetivo acadêmico e profissional. Então meu trabalho vem com esse propósito de desconstrução de visualidades negativas em movimentos e corporeidade negras.
Como mulher negra, sua arte tem poder de empoderar. O que você pensa sobre o feminino no seu trabalho?
Tem sido uma das minhas mais fortes linhas de pesquisa e trabalho, vindo de um movimento pessoal e íntimo e transpassando isso para outras mulheres negras que se identificam ou passam pelo mesmo que eu. Então o feminino é um norte de onde tenho que centrar meus trabalhos sobre as consequências desse sistema machista que nos mata.
Como é seu processo criativo? Você escolhe uma situação específica pra documentar, fotografa e depois faz colagens manuais ou no computador? Como é o processo do trabalho até se tornar um lambe lambe?
Meu processo criativo é bem complexo, às vezes sendo bem automático e rápido ou às vezes sendo muito orgânico e demorado. Geralmente lambes, eu pesquiso bastante antes deles nascerem imageticamente. Levam um certo tempo até eu organizar o que faz sentido pra mim e para o que quero dizer. Uso as duas possibilidades de fotografar e a partir da imagem que produzi fazer a colagem ou me aproprio de imagens da internet, uso o celular ou o computador para produção das colagens e até ela se tornar um lambe depende muito da proposta — é um processo contínuo.
Seu Instagram mostra agora uma fase com mais auto-retratos ou fotos que documentam seu corpo, sua espontaneidade. Como está sendo este processo de aceitação com a sua estética? (Que aqui entre nós, está parecendo uma Deusa)
Então, faz parte desse redescobrimento artístico e pessoal, porque não consigo separar a Sil.vana artista visual, da Silvana Pinto Mendes (hahahaha). Esse processo é de vida mesmo, de autocuidado e respeito e dos desdobramentos a partir dele, de como me relaciono com as pessoas e o que trago de externo para o meu interno, então uso muito o instagram pra documentar esse processo.
O Lambes Brasil é um canal independente. Feito por e para artistas com o propósito de fomentar e valorizar o lambe-lambe no contexto da Arte Urbana Brasileira, fortalecer o cenário aos artistas e produtores, gerar reconhecimento da técnica e prática artística perante o público, o mercado, os órgãos governamentais, empresas, entidades culturais e demais linguagens artísticas.
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