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Entrevista #Comapalavra: Discórdia

Atualizado: 10 de mar. de 2021

Um dos artistas do Lambe-Lambe nacional mais prolífero, criador de um personagem que se vê por todos os lados do país.


Nessa entrevista, Discórdia nos fala um pouco sobre o início da carreira, influências e seu processo criativo.



Como e quando você começou a produzir?

Comecei a produzir meus primeiros lambes em 2006. Eu desenhava muito em casa e queria expor aquelas ideias para outras pessoas, então conheci o lambe-lambe. Eu sempre morei em um bairro afastado do centro, então eu praticamente produzia durante todo o mês e quando ia para o centro só voltava quando tinha colado todos.


Talvez não saibam que você é de Sorocaba e não da capital paulista. O que você diria para aqueles que querem começar no rolê e acham que precisam ir para algum grande centro para ter visibilidade?

Sou de Sorocaba, interior paulista, e ainda moro num bairro no extremo leste da cidade. Meu bairro sempre foi muito rural, começaram a construir casas e muros por aqui recentemente. Aqui não tem asfalto, nem internet banda larga, apenas o 4G que nem dá para se fazer muita coisa. Mas eu sempre tive a cidade, para mim que sou do sítio, como uma grande galeria de arte, porque a única coisa que foge do caos da cidade são as coisas que estão escritas nela, as intervenções que vão te fazer refletir. O resto é só concreto e propaganda para te deixar com vontade de comer mais um Mc Donald’s ou tomar Coca-Cola. Consumo cidade, caos, concreto e medo.


Quando comecei eu estava vindo da transição das revistas para internet. Todo mês eu comprava uma revista de graffiti para saber o que estava rolando fora da minha cidade.

Logo depois veio o Fotolog e depois todas essas outras redes sociais. Acho que hoje em dia a galera está muito presa aos likes, seguidores e todas essas coisas. Quando comecei só queria colar lambe por diversão mesmo, não tinha nada disso para mim. Arte de rua está na rua, às vezes uma pessoa vai ver às vezes mil, mas você tem que fazer pelo que ama, o resto é consequência do amor com que você faz seu trabalho.



Sua personagem mais recorrente, que é usado nos adesivos, é uma pessoa gritando. Por que você o escolheu?


Sempre assinei Discórdia, mas já havia feito vários estilos até talvez entender o que eu estava fazendo. Então eu comecei a estudar sobre arte, cores, sobre técnicas de impressão e os materiais que queria para dar uma identidade que realmente fosse o corpo do nome. A partir dai que eu fiquei brisando muito no construtivismo russo, sobre a expressão artística urbana e comecei a brisar em expressões faciais. O grito foi o primeiro corte de rosto que eu consegui fazer, que é um corte feito em cima de um trabalho de um artista colombiano chamado Jerry Martín. Foi a primeira imagem que me abriu a mente sobre como conseguir cortar um estêncil de um rosto. Era como se fosse ele gritando pra eu cortar aquela desgraça. Então comecei a testar em cima de outras expressões.


É nítida a influência do pixo/grapixo no seu trabalho. Qual a importância do movimento para você?

Acho extremamente importante a pichação, foi a primeira técnica de arte que eu vi na rua aqui no interior; o graffiti e outras coisas no meio urbano estão chegando agora, antes era só pixo. Todo aluno de escola pública já treinou uma tag reta antes de qualquer coisa na rua. Eu já pichei muita carteira da escola e banheiro, já tive muita confusão por isso também. É como se fosse parte do ensino médio da escola, muda muito sua visão sobre a cidade. Te faz querer saber quem faz aquele nome, aquela letra escrita no muro, e também faz parte da condição de vida que vivemos. 95% dos meus amigos viraram pichadores. A informação de arte que chega nos bairros é muito pouca; o único jeito de você se destacar ali é escrevendo seu nome, fazendo a sua história no esporte dos loucos que é a pichação. Como diria o ditado “quem não é visto não é lembrado”. Essa é a realidade de muitos, o único jeito de você se destacar dali é escrever a sua história. Isso para mim é totalmente influente por mais que eu fui para outros meios de intervenções, eu vejo tudo como pixo para mim. O lambe não é nada mais que um pixo colado; vejo tudo como arte. Talvez seja a nossa única missão aqui na terra, marcar o tempo com arte independente de qual seja. E assim como existem vários tipos de tipografias, e eu vejo como existe preconceito de pessoas para pessoas, e até em letras que todo mundo consegue ler (uma fonte Arial) mas às vezes não tem a capacidade e criatividade de ler uma tag reta, que é a tipografia do estado de São Paulo. É como se fosse um índio querendo fugir da sua cultura e da realidade que vive. Por que aqui não é Hollywood.



Outra característica em alguns dos seus cartazes é a presença de uma mensagem direta. Até que ponto você acha importante passar alguma mensagem e não ficar apenas na auto-publicidade?

As mensagens têm que ser diretas para chegarmos onde queremos. Tal como os cartazes de rua que causam reflexão sobre aquilo visto e lido.


Arte de rua está na rua, às vezes uma pessoa vai ver às vezes mil, mas você tem que fazer pelo que ama, o resto é consequência do amor com que você faz seu trabalho.

Você produz com várias técnicas diferentes (estêncil, serigrafia, mão livre) e também com vários tipos de papéis. Existe uma lógica ao preferir este ou aquele material/técnica ou depende muito do que se tem à mão no momento?

Nesse mundo de querer colar tudo, você acaba aprendendo de tudo um pouco, desde as técnicas de impressão que são feitas para conseguir produzir com um custo baixo, dos papéis, das ideias na cabeça, das colas que serão usadas pra conseguir grudar tudo. Hoje em dia eu acabo vendo meu trabalho mais como um sample de rap. Você vai estudando sobre música escolhe um vinil barato que é o dinheiro que você tem, e pega um trechinho de uma base para fazer uma música inteira; eu acabo tentando fazer isso. Creio que a criatividade vem da necessidade, do momento em querer fazer belas canções.


Em 2018, você, juntamente com outros artistas e o Lambes Brasil organizaram o PEGLAM, Festival Internacional de Lambe. Nos conte um pouco da experiência.

O PEGLAM foi uma festa, uma iniciativa de amigos da América Latina em reunir papéis para colar por todos. Foi bem doida a experiência mas também bem difícil. Conseguir organizar tudo, até mesmo conseguir colar tudo que recebemos. Não achamos que receberíamos tanta coisa. A internet tem esse poder de você colocar lá e a parada explodir, foi muito doido isso. Uma brincadeira que se tornou uma baita responsabilidade, mas no final deu tudo certo, conseguimos colar tudo.





 

O Lambes Brasil é um canal independente. Feito por e para artistas com o propósito de fomentar e valorizar o lambe-lambe no contexto da Arte Urbana Brasileira, fortalecer o cenário aos artistas e produtores, gerar reconhecimento da técnica e prática artística perante o público, o mercado, os órgãos governamentais, empresas, entidades culturais e demais linguagens artísticas.

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