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Sim, Anne, a rua é nosso lugar!

Com a inocência de quem começa a desenhar ainda menina, seguindo os traços da irmã, Anne Souza cativa os olhos de quem a encontra pelas ruas das cidades.


Principalmente em Recife - onde nasceu - e em Olinda, onde vive. Seu trabalho, que carrega uma estética quase ingênua, de ingênua, não tem nada: é um turbilhão de emoções de uma mulher, mãe, negra, tentando resistir ao caos social pré estabelecido.

Depois de passar anos tentando a vida através da moda, foi na arte - e principalmente na arte de rua - onde Anne achou a melhor forma de se expressar: "foi aí que eu me encontrei. Não tinham muitas manas na cena e achei que ia ser uma boa maneira de mostrar para as minas que a rua também é nosso lugar".

Mais de 10 anos na cena e com reconhecimento nacional, podemos dizer que: sim, Anne, esse também é nosso lugar! Pra você que ficou curiosa (o), leia as sábias palavras dessa artistona, especial para #MinaQueLambe, só na Lambes Brasil.



Foto: acervo pessoal
Anne, já vou começar fazendo uma pergunta de mãe para mãe: qual os maiores desafios de ser uma artista mãe? Algo mudou na sua arte e/ou no seu processo artístico depois da maternidade?

MUITA COOOISA!!! Não tem como não mudar, mudei muito físico e psicologicamente. Primeiramente essa foi a mudança, mas a maternidade impactou muito na minha produção: o meu tempo e inspirações tiveram que esperar a cria crescer mais para eu poder produzir. Com o tempo comecei a voltar, voltei a ir aos eventos de graffiti, fazia mais pinturas que lambes. Também fazia outras coisas, tipo telas e tals.

Tive o privilégio de ter um companheiro que sempre me deu força. Quando ia participar de eventos, ele ia junto e João também, que por um tempo, ficou conhecido como 'rolezeiro' (risos). Ele estava sempre nos picos. Resistimos! Às vezes bate a bad trip, mas logo enfrentamos e seguimos vivonas.


Qual foi seu primeiro contato com a arte: você sempre se considerou artista ou isso surgiu depois de adulta?

Comecei desde pequena vendo minha irmã desenhando e pintando. Quando comecei a ver que era o que eu gostava e quando comecei a entrar em contato com mais coisas relacionadas à arte, foi que atinei que era disso que gostava e que era com isso que gostaria de trabalhar. Levei um tempo para me perceber “artista”.


Tenho acompanhado suas redes há alguns anos e visto que além do lambe e telas, você tem feito outros objetos para venda, como camisetas e banquinhos de madeira. Você acha problemática essa comercialização da arte, de seu trabalho disponível de maneira mais comercial?

Eu não vejo isso como algo ruim, até porque, hoje, já vemos que arte é um trabalho. A 'gatah' tem que pagar os boletos (hahahahaha). Antes, ser artista era como algo místico. Agora, já percebemos que arte é trabalhar bastante, sem deixar de ser um ato político. Então, eu acho que também é uma forma das pessoas que acompanham e gostam do meu trabalho, terem a oportunidade de ter algo meu em casa. Tem gente que me acha pela rua, porque viu um lambe meu e chega no meu instagram e diz 'poxa mana, achei teu trabalho. Mana, vi um lambe em tal lugar' e aí quer comprar um lambe p colocar na parede ou uma camisa pra sair por aí toda feliz com uma arte minha no peito. Eu acho essa possibilidade massa. Sem deixar as lutas de lado.


A arte de rua te tira de um espaço privado e te leva pro público. O que você mais tem gostado dessa relação de artista com o espaço público?

Anne Souza ao centro e Filipe Gondim acima

Acho que é a adrenalina de tá na rua, de botar a cara a tapa, de ocupar meu lugar na rua e expor para as pessoas minhas ideias, meu íntimo, minhas lutas e é muito gratificante receber mensagens de alguém que tava passando e viu um lambe meu e como isso mudou a rotina naquele dia.


Mas o que me faz ter mais instiga para resistir é ocupar espaços e principalmente ocupar espaços enquanto artista mulher. A cena aqui de arte urbana é muito masculina e além disso são sempre “os mesmos”. Então, lançar meus trabalhos na rua é sobre isso também: ocupar e mostrar que eu também posso! Além de ser referência para as minas que querem colar, que vendo que tem outras lá, pensam 'por que eu tbm não posso?'.


Quem tem sido suas maiores referências estéticas/artísticas no universo do lambe-lambe?

Quando comecei, não via muita coisa de mulheres aqui. Uma mina que foi e ainda é uma grande referência no lambe é a NEGAHAMBURGUER (ex- vulgo da artista e tuatuadora Evelyn Queiroz, que atualmente assina como Eve Queiróz), que é uma mina preta super maravilhosa de São Paulo. O trampo dela é incrível! Via os lambes dela e pensava 'por que não, né?'. Eu acho também que graças a deusa, a cena mudou muito. Hoje, têm várias minas colando e isso é massa, fico muito feliz de ver coletivos de lambe em vários lugares no Brasil.


Você sente que o mercado da arte está restrito aos eixos Rio/São Paulo e isto interfere de alguma maneira na sua vida como artista?

Eu acho que ainda rola sim esse eixo, principalmente para centros culturais, locais de exposição. Mas vejo que isso também está mudando. Na cena do lambe, vejo artistas em varias regiões. Tipo norte-nordeste tem artistas incríveis.


Foto: acervo pessoal


Ser também uma mulher negra, artista, faz do seu corpo um ato político. Qual a importância desse corpo político para sua arte?

Importa muito! Aqui, a graaaaande maioria da arte urbana é branca e masculina. Então, sendo artista mulher e ainda negra é resistir ainda mais. Fico pensando nisso direto: 'levanta, gata! Bóra tacar fogo nos muros hoje?'. É isso!


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